O Começo
Eu não imaginava que aquelas noites que precisei dormir na rua fosse fazer uma diferença tão grande. Ou melhor, foi um divisor. Enquanto eu fugia daquele homem que morava dentro de casa sem muita opção encontrava a rua. Parecia mais aconchegante, o medo era menor e apesar do frio e as vezes da chuva eu preferia ali. Pelo menos a cada hora meu amigo o '' guardinha da rua.'' ia aparecer.
Quando eu ouvia o jogo no seu ''radinho de pilha'' sentia um grande alívio ele ia perceber que eu estava ali , íamos conversar um pouco e assim a noite passaria mais rápido. Eu amava de fato olhar as estrelas, minha melhor companhia era aquela solidão. Mas no medo muitas vezes me peguei confundida sobre o que fazer, ou sobre o que estava fazendo.
Seria muito pior entrar, não queria viver mais aquilo. Agora já não era mais só o homem, era meus medos, meus traumas, minhas visões de terror, a confusão de uma mente bagunçada entre estar vendo satanás ou estar gritando por gritar. Até alguém ameaçar internar. Neste caso continuo preferindo o '' banquinho'' da rua.
Quanto tempo se passa nisso? Não sei. Ninguém tinha coragem de me questionar. Ninguém parecia se importar de fato o porque de eu estar ali. O meu amigo do radio tentava não me constranger, acho que eu também era uma companhia para ele naquelas madrugadas estranhas. Apesar dele ter me aconselhado muitas vezes a entrar. Penso que, ele me viu como rebelde, pois na outra madrugada eu estaria ali.
Alguns se acostumaram na pacata cidade me ver perambulando nas madrugadas. Outros intrigados paravam um pouco, conversavam, recomendavam que eu não lesse sob a iluminação frágil da rua. A essa altura você quer saber onde estava minha mãe né? Pois bem, ela não estava. Trabalhava tanto que teve que mudar de cidade sozinha em prol de seu emprego.
E mesmo que muitos tentassem alertar -la sobre em como eu andava ficando tanto na rua, não havia real êxito , pois eu não a ouvia, preferia que ela me tivesse como rebelde a ter de enfrentar o que lá dentro da casa existia. Era sombrio o lugar, feito de maldade humana , misturas leves de conteúdo bem adulto, álcool e terror.
Eu via o que mais ninguém via. Melhor acreditar que eu era louca do que acreditar que eu simplesmente via e ouvia. Quanto peso de julgamento! Quantas vezes ficava ouvindo que era melhor que eu fosse internada para que ainda pudesse ser salva dos meus rompantes. Por ter sempre ouvido tudo, um dia ia acabar rompendo os cabos de aço do meu coração. Medonho, mas ainda não era o momento.
Em meio ao sentimento de rejeição, não compreensão e medo, o melhor era mesmo ficar no meu cantinho da avenida. E mais uma vez, mais uma noite estava lá, me abrigando no relento. Se eu pudesse proteger o pouco que restava de mim, mesmo que inconsciente eu protegeria, pois tinha sonhos para comigo mesma. Hoje entendo porque acreditei tanto em mim.( risos)
Com aquele tempo todo portão a fora, vi coisas que me fizeram crescer muito, vi coisas que nunca quis para mim e vi coisas que estava fadada a repetir. Infelizmente a rua também cobra aluguel. Nada saiu de graça. O preço foi lançado e eu arrisquei pagar. Ver pessoas embriagadas pelas calçadas dominadas, pessoas brigando, carros passando...
Ah, existe algo legal nisso!!!
Sei o nome e reconheço o barulho de todos os carros dos anos 90 e começo de 2.000. Imagino qual seja até hoje quando penso ter ouvido um. Posso dizer com uma ''exatidão'' enferrujada haha ou pelo menos tentar . Eu brincava sozinha com eles. Olhava um e dizia para mim mesma: - Esse tem cara de mau... - Esse tem cara de bom. O branco é mais bonito. Esse vermelho me da medo. Ficava horas assim, até ouvir o jogo no aparelho do meu amigo se aproximando.
Bom, vamos continuar essa história amanhã? Estou cansada . Já é madrugada. Ok ,vai? Eu ainda tolero bastante ficar acordada . Nem gosto mesmo de dormir a noite. Enfim não aprendi, mas eu fico deitada ouvindo música tentando descansar a mente. Claro que troco o dia pela noite. (nem sempre). Tendo em vista que tenho muito o que contar vou tentar resolver isso sobre dormir. Eu volto...
Até mais ver!
Suellen Maper.



